O show do Ton

19:55


O empresário Neriton Vasconcelos, o Ton, gosta de contar sua história para os clientes que vão chegando ao seu restaurante para um jantar exclusivo que ele prepara para no máximo 20 pessoas, todas as noites de segunda à sábado há 7 anos no bairro do Itaim Bibi em São Paulo. Ao entrar no From the Galley, nos deparamos com um salão elegante decorado ao estilo navyonde ele recebe pessoalmente a todos oferecendo uma taça de espumante. Da cozinha aberta, que fica em frente a uma grande mesa comunitária, exala um perfume irresistível. É um bouillon de lagosta, um caldo reduzido que está depurando há horas no fogo. Todo mundo quer saber de onde vem o entusiasmo de Ton pela cozinha e a resposta é sempre a mesma; são décadas de viagens através de quase uma centena de países, muita curiosidade e leitura especializada. Além disso, ele confessa que já gastou uma pequena fortuna nos melhores restaurantes do mundo. Nada de academicismo ou aquela lista de estágios em restaurantes renomados que os jovens chefs de hoje gostam de ostentar.  Isso ele deixou para o seu filho Alexandre. Este sim, aos 23 anos já possui um currículo bastante respeitável para a sua idade. Em Paris, freqüentou cursos na Le Cordon Bleu e estagiou no centenário La Tour d’Argent, atualmente detentor de uma estrela no guia Michelin. Em Chicago, nos EUA, também estagiou num grande restaurante, o Alinea, considerado o sexto entre os cinqüenta melhores restaurantes do mundo pela publicação inglesa Restaurant, a mesma que recentemente classificou o D.O.M. de Alex Atala em sétimo. Além disso, Alexandre trabalhou a bordo do Crystal Serenity, cozinhando num dos restaurantes do navio que é considerado o Rolls Royce dos mares.


Pai e filho se encontraram na cozinha quase por acaso. Neriton é empresário no ramo de turismo há trinta anos e representa importantes navios internacionais no Brasil, como o Crystal citado acima. Ele conta que criou o restaurante em 2005 para profissionalizar o que já fazia em casa há décadas cozinhando para os amigos. Já Alexandre, que é formado em administração de empresas, começou a cozinhar por motivos de “sobrevivência” quando treinava natação nos EUA. Na hora do aperto, diz ele, ligava para o Pai ou para a cozinheira em São Paulo para tirá-lo do sufoco e acertar a mão nas receitas. Hoje os dois trabalham lado a lado pilotando os modernos fogões do From the Galley. Da cozinha da embarcação, como sugere o nome em inglês da casa, parece ser a representação ideal para a experiência de visitar o restaurante. A atmosfera de exclusividade que o ambiente proporciona pode ser comparada a um jantar “a bordo” com um pequeno grupo de amigos. Amigos que eventualmente podem ser feitos lá mesmo, já que a casa aceita reservas individuais até completar o grupo. Da mesa todos podem interagir com o chef, que explica cuidadosamente cada prato de uma seqüência que pode chegar a oito etapas no menu-degustação, ou cinco no menu- confiance. O banquete pode ser acompanhado por uma seleção de vinhos que se harmonizam com cada variedade servida. Entre os frutos do mar e as carnes, são servidas taças de Sorbet, aquele tipo de sorvete bem leve feito à base de água e frutas, com a finalidade de limpar o paladar. Na noite em que estivemos lá, entre a lagosta e o filet mignon, provamos um exemplar de laranja e champagne, que segundo o chef é baseado no drink clássico Mimosa. 

Da c

Ton responde perguntas sobre as receitas e mostra equipamentos enquanto prepara e finaliza os pratos com sua equipe, que além do filho Alexandre conta com a sub-chef Gabriela Cabett e um assistente. Tudo acontece no balcão da cozinha à vista dos clientes. Os editores da SAX Edgard Reymann, Ney Ayres e eu, recebemos uma verdadeira aula sobre o método de cozimento à vácuo em baixa temperatura denominado sous-vide, que em francês significa sob vácuo. Ele até nos apresentou o equipamento que embala o alimento em plástico. A operação de cozimento requer um rigor quase científico com direito até a termômetro para controlar corretamente a temperatura. O objetivo desse método muito utilizado na cozinha contemporânea é preservar a integridade nutricional e principalmente as texturas e os sabores originais dos alimentos. Também provamos vários tipos de sal e ele fez questão de explicar as diferenças entre eles e suas melhores aplicações. Ton denomina sua cozinha como “de autor” mas mantém os pés no chão quanto a certos modismos que tomaram conta da gastronomia atualmente. Ainda assim, demonstra ser um entusiasta da tecnologia e usa o que estiver disponível para aprimorar o seu trabalho. Produz espumas em sifões e se permite arriscar coisas novas depois de muita experimentação. Ele não se importa em classificar a sua cozinha dentro de algum estilo como fazem os novos chefs. Não tem gurus, embora confesse que admira e até se inspira no chef norte-americano Thomas Keller proprietário de restaurantes estrelados pelo guia Michelin como o The French Laudry na Califórnia e o Per Se em Nova Iorque. Entre os destaques do cardápio do dia de nossa visita, além do sorbet de Mimosa, tivemos talharini de pupunha com cauda de lagosta, patê de foie gras com figo caramelizado, vieira com lentilha e uma  tábua com queijo taleggio com geléia de whisky. Porém, todo mês ele propõe um novo menu que pode incluir os tradicionais blinis com caviar, confit de pato com manga e abacate, sopa de mandioquinha com crispy de presunto de Parma e doce de coco com espuma de coco. No próximo menu ele promete apresentar pratos inspirados na cozinha molecular, sem atravessar a tênue fronteira que separa a criatividade da pura invencionice. A única exceção que Neriton abre para apresentar um prato solo é quando ele prepara, aos sábados, um tradicional Cozido Português, para acolher os cariocas como ele, sempre saudosos desse clássico luso tão comum no Rio de Janeiro.


A habilidade social de Ton para receber os clientes como se fosse na casa dele já levou bem mais do que cariocas ao seu restaurante. Do cantor e apresentador Ronnie Von ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, passando por ministros e banqueiros, muita gente prefere a privacidade desse ambiente, que fica em algum lugar entre a nossa casa e um bom restaurante, para comemorar aniversários ou promover reuniões regadas a bons vinhos e gastronomia de primeira qualidade. É possível ainda reservar uma sala no andar superior, com sofás, poltronas e banheiro privativo, onde podem ser servidos jantares para grupos de até seis pessoas, que são atendidas por um garçom exclusivo. Uma sala muito agradável para degustação de puros habanos encontra-se naturalmente desativada. 

Neriton garante que forma grupos quase todas as noites, principalmente porque mantém acordos com empresas que usam o seu restaurante para eventos corporativos reunindo pequenos grupos, e também oferecem jantares em programas de incentivo para funcionários. Além disso, a prática de dar carta branca ao chef para que ele apresente as suas criações numa seqüência de várias pequenas porções, coisa muito comum nos estrelados restaurantes da Europa, agora está caindo no gosto do brasileiro. Com o desenvolvimento da gastronomia por aqui nas últimas décadas, profissionais de reconhecido talento já oferecem, ao lado de seus menus à la carte, uma opção de degustação de pratos autorais para clientes de paladar mais aberto e desprovido de preconceitos. Neriton apostou só nisso e acabou criando um nicho alternativo no mercado altamente concorrido dos restaurantes de luxo em São Paulo, e apesar de dizer que a atividade é mais paixão do que bom negócio, tudo indica que ele vem navegando num mar azul até agora. Embora a privacidade e a comodidade de se chegar a um restaurante sem a preocupação de enfrentar filas de espera sejam grandes aliadas do seu sucesso, a sua cozinha tem feito boa figura junto à crítica especializada. Ele possui várias resenhas positivas em revistas e blogs, e está classificado como Bom nos guias dos principais jornais de São Paulo. Por fim, vale lembrar que o pagamento é antecipado, feito no ato da reserva através do numero do cartão de crédito. O que por sinal pode ser muito bom. Afinal, nada melhor do que jantar tranqüilo sabendo que não haverá susto na conta. Que o digam os banqueiros que costumam freqüentar a cozinha do Ton.


Texto e fotos de Paulo Pedroso  
SAX Magazine/Junho 2011
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