Sartoria Paulistana

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O alfaiate Milton Silva vende camisas e gravatas na sua loja da Galeria Metrópole em São Paulo, onde mantém uma pequena oficina com 18 funcionários. São peças prontas a preços bem razoáveis. Porém, se alguém quiser mandar fazer um terno pessoalmente com ele e entrar numa lista de clientes que inclui artistas e políticos de primeiro escalão, terá que desembolsar pelo menos R$ 5.000,00. No ramo há quase 60 anos, Silva foi responsável pelos costumes da marca Daslu por mais de uma década. Aos 71 anos e com planos para o futuro, ele só não é otimista com a mão de obra: “Hoje em dia é muito difícil formar um bom ajudante. Os jovens estão muito apressados, é preciso tempo para se desenvolver porque ninguém vira alfaiate da noite para o dia”.

O que Silva tem de idade, Augusto Ulian tem de profissão. Aos 88 anos, ele é da época em que ter um alfaiate pessoal era quase obrigação para banqueiros, advogados e homens de negócio. Do seu atelier na Galeria Ouro Fino, em São Paulo, ele contempla um passado glamouroso, de clientes ilustres, entre eles Clodovil Hernandes, o estilista convertido em deputado que se tornou seu cartão de visitas pelo alto grau de exigência e afetação que ostentava. “Fiz mais de dez costumes pra ele quando se mudou para Brasília.” diz o Senhor Ulian, que segue na ativa produzindo de 4 a 5 ternos por mês. Sem herdeiros para levar sua arte adiante, diz que o seu filho preferiu estudar odontologia.

Sobre sucessão, o português Antonio Jesus Carvalho, 72 anos, seu colega de profissão e vizinho de Galeria há 48 anos tem opinião clara: “Eu não estimulei meus filhos a me seguirem. Isto é coisa para imigrante, é um trabalho muito duro”. Diariamente ele pode ser visto através da vitrine riscando e cortando os tecidos que vão vestir seus clientes que não se importam em pagar pelo menos R$ 7.000,00 por uma peça. Diz que tudo é feito manualmente, “Eu não uso moldes, faço todo o traçado na mão porque se tem que usar molde já não é mais personalizado”.

Apesar da clientela fiel, esses decanos estão vendo crescer a concorrência dos jovens, principalmente depois que o paulistano Ricardo Almeida revitalizou a alfaiataria no início dos anos 90 agregando estilo e informação de moda numa atividade que até então primava pela discrição. Além disso, reposicionou a roupa sob medida em pontos de venda como Shoppings Centers e ruas comerciais badaladas. Recentemente alguns nomes egressos de sua própria empresa começaram a aparecer utilizando o mesmo modelo de negócio. O mais visível é João Camargo, que lançou sua marca em 2005. Ambos parecem ter aprendido a capitalizar em cima da cultura das celebridades e a fazer uso eficiente das mídias digitais.

Fabrizio Silva, de 29 anos, é outro que abriu seu próprio atelier no Itaim Bibi, depois de trabalhar seis anos com Ricardo Almeida e quatro com Camargo. E a exemplo dos ex-patrões, promove desfiles onde os modelos são apresentadores de TV, atores e empresários, o que lhe rende boa exposição na mídia. Apesar de não demonstrar a mesma desenvoltura social dos “professores”, ele surpreende com cortes arrojados e forros coloridos. Com sua grife que recentemente passou a se chamar Fabrizio Allur, produz até 40 ternos por mês ao custo inicial de R$ 3.000,00.


Para a velha guarda, muitos desses rapazes são apenas bons desenhistas que terceirizam a manufatura e utilizam processos industriais. O alfaiate da nova geração Alexandre Won, de 32 anos, concorda que muitos são na verdade estilistas, mas para ele a ideia do sob medida permanece. “A prática da terceirização não elimina o conceito do sob medida, até porque são feitas provas para correções individualizadas, o que pode ser questionado é se é manual ou não”. Won é formado em Direito, e diz que desde muito cedo desenhava suas próprias roupas. Considera-se autodidata na arte das tesouras, mas afirma ter recebido orientação de um mestre alfaiate que hoje, aos 83 anos, faz parte da sua equipe. Há seis anos montou um atelier em Moema, onde produz costumes com preços a partir de R$ 6.000,00. Seu trabalho, segundo ele, é todo feito na sua oficina e respeita os conceitos originais do Bespoke, palavra inglesa usada mundialmente para designar o que é realmente feito sob medida.

Outro que voltou para o negócio da família é Bruno Colella, de 34 anos. Há um ano ele abandonou seu trabalho no comercio exterior e abriu o BRNC, um atelier de alfaiataria na Vila Nova Conceição, em São Paulo. Neto de um dos maiores fabricantes de roupas finas do Brasil, diz se sentir vocacionado para a nova empreitada: “Meu avô teve confecção por mais de 50 anos e eu não quis perder essa conexão. Achei que de algum modo tinha que preservar tudo isso.” Com dois alfaiates herdados das fabricas da família e duas costureiras que trabalham sob seus cuidados, é ele que atende pessoalmente com hora marcada e sugere os tecidos e cortes. A oficina fica à vista do cliente onde tudo é feito de forma manual. Bem relacionado, em pouco tempo diz que já entrega cerca de 40 costumes por mês com preço a partir de R$4.000,00.

O Consultor de Imagem e blogueiro do jornal O Globo, Lula Rodrigues, diz que  alimenta a esperança de que roupas personalizadas e de alta qualidade sobrevivam, porém alerta para grandes mudanças na indústria global do luxo: “Hoje em dia, grandes marcas italianas e inglesas estão passando para as mãos dos chineses e coreanos. São novos mercados e a tradição está se diluindo em função do lucro. O mercado bespoke (sob medida de verdade) demanda tempo para a produção de um terno. É uma expertise que vem sendo posta em prática e atualizada tecnologicamente desde o século XIX, e pode ser reconhecida sem exibir etiqueta.  Quando você encontra nomes da Savile Row, a tradicional rua dos alfaiates londrinos, oferecendo linha de prêt-à-porter em feiras internacionais é porque algo está mudando” Lula ainda afirma que existe uma demanda jovem para esse tipo de roupas. Acredita ainda ser dificil a aceitação do mercado de trabalho para modelos com calças de bainha curta e sapatos sem meias, por exemplo. "O modelo de terno proposto pelo estilista americano Thom Browne (calças bem curtas e estrutura curta e justa do paletó) ganhou prêmios como a novidade que está por vir, mas, nas grandes empresas internacionais, o formato atual do terno ainda é o rito de passagem para uma grande carreira de um jovem executivo." 

Apesar das reclamações dos veteranos quanto à mão de obra, o presidente da Associação dos Alfaiates e Camiseiros do Estado de São Paulo, Felipe Jarnallo, 31 anos, diz que a entidade forma de 250 a 300 profissionais por ano. “O problema para um iniciante que queira se firmar como alfaiate é que ele terá que ter paciência. A fórmula é simples, ou você tem escala de produção ou cobra muito caro por um produto artesanal, o que não é fácil para alguém desconhecido. Os jovens que estão despontando no mercado ou trabalharam para terceiros ou vem de famílias com atuação no ramo.”

Hoje em dia todo alfaiate sofre a concorrência de marcas europeias que oferecem um delivery global do vestuário fino. Um cliente pode tirar medidas no Brasil, ter o tecido cortado em Londres e costurando em Napoli. Esse é o negócio do gaúcho Vasco Vasconcellos, 44 anos, que tem no currículo trabalho em empresas como Brooksfield e Ermenegildo Zegna, além de estágios em alfaiatarias europeias. Há dois anos conseguiu o credenciamento para comercializar no Brasil os costumes da Scabal, uma multinacional da alfaiataria com sede em Bruxelas e loja na Savile Row, em Londres. Ele e seus sócios, Guillermo Tizon e Sergio Luizetto, tiram medidas dos clientes no seu atelier da Vila Nova Conceição, que incluem diretamente no site da Scabal. Os tecidos são cortados eletronicamente e costurados a mão por alfaiates ingleses e italianos. Os costumes viajantes custam a partir de R$ 10.000,00, mas Vasco garante que se alguém quiser se vestir como um Jay Gastsby do século XXI, ele pode providenciar tecidos com fios de ouro e até fragmentos de diamante. É apenas uma questão de detalhes como saldo bancário.

P.P. Valor Econômico 2014










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