Por Uma Vida Sob Medida

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                    Photo by Roberto Tamer

Johannes Derwahl é um jovem belga de 33 anos que passa a maior parte do ano viajando com seu principal instrumento de trabalho, uma fita métrica. Ele é um Master Taylor, um mestre em alfaiataria qualificado para medir de cima a baixo pessoas que terão seus ternos confeccionados a milhares de quilômetros de casa. Ele tem que ser preciso, pois como não haverá prova para ajustes, tudo deve ser previsto e resolvido e por ele. A Scabal, empresa onde trabalha há quatro anos está envolvida com produção de tecidos desde 1938, na Bélgica, e no final dos anos 60 adquiriu uma casa centenária de alfaiataria inglesa situada na Savile Row, a rua londrina que desde o século XIX é conhecida como símbolo máximo de roupas masculinas finas. Porém, foi só vinte anos depois, com a incorporação da Tailor Hoff, uma indústria de vestuário alemã, é que o grupo deu início ao seu projeto de vender costumes sob medida para o mundo todo.
Os artistas internacionais, príncipes belgas e bilionários russos que ele visita, agora receberão a companhia de brasileiros que poderão ter suas medidas tomadas em São Paulo por um alfaiate credenciado que ordena a fabricação na Europa. Derwahl esteve no Brasil recentemente acompanhado do Diretor de vendas da Scabal, Olivier Vander Stock, para um evento de dois dias, com direito a sessões de medidas de clientes que participaram de um coquetel com presença de um Aston Martin na entrada, o carro preferido de um famoso usuário dos ternos Scabal, o agente 007. No mundo real, a visita significa a consolidação de uma parceria com o gaúcho Vasco Vasconcellos, representante oficial da Scabal há seis meses no país para o serviço internacional de MTM (made to measure). Vander Stock falou sobre as razões de incluir o Brasil no plano expansionista da companhia. “Depois de sucessivas crises, os europeus passaram a comprar muito mais por necessidade, e isso engloba roupas e assessórios, que é o nosso negócio, diferente dos emergentes como Rússia, China e Brasil, onde há um crescimento da autoestima, o que leva a um grande interesse por moda e estilo.” Sobre a maior familiaridade dos paulistanos com o chamado corte italiano, o master tailor Derwahl diz que isso é uma nomenclatura que na prática não existe. “Hoje em dia você encontra muito mais do que se entende como estilo inglês em Milão, por exemplo, enquanto em Londres, os jovens usam ternos mais leves, ajustados e com cores fortes, que se caracteriza como modo italiano, mais flamboyant, relaxado. O conhecimento é o mesmo, o que muda são características de cada povo, que hoje estão se misturando.”
Com anos de experiência em comercio de moda masculina fina, Vasconcellos faz parte da AACESP (Associação dos Alfaiates e Camiseiros do Estado de São Paulo) e diz que se preparou para essa parceria com cursos de especialização na Itália e na Inglaterra. Ele e seus sócios Guillermo Tizon e Sergio Luizetto, desenvolveram uma pequena oficina junto ao show room da Vila Nova Conceição, em São Paulo, onde pequenos reparos nos costumes podem ser feitos. Sobre o risco de se investir pelo menos R$ 14.000,00 num terno e confiar numa execução que prescinda de provas, o trio tem um discurso afiado para convencer os clientes. Eles defendem o advento de uma nova alfaiataria que une o conhecimento artesanal com a tecnologia, o que, segundo Luizetto, permite essa minimização de risco. “Antigamente se fazia uma medida básica para o corte e depois se ajustava a roupa no corpo com técnicas conhecidas como moulage. Hoje somos mais específicos na medição e levamos em conta aspectos como curvatura das costas e o ângulo do tórax em relação a barriga do cliente. Inclusive considerações sobre que tipo de relógio usa e em que lado, além da atividade que excerce, se fica muito sentado, se anda, se é palestrante etc. Tudo isso é colocado em softwares CAD que praticamente escaneiam o corpo cliente”, diz ele.
Apesar da euforia e das armas poderosas que a Scabal usa para atrair clientes de alto poder aquisitivo, como botões exclusivos, monogramas e milhares de alternativas para personalização da roupa, a empresa terá que enfrentar os concorrentes locais. Não é fácil atrair um cliente fidelizado há anos por seu alfaiate pessoal. Muitos deles entregam costumes a preços menores, feitos com tecidos do mesmo nível, como Loro Piana, Reda e Dormeil. Além disso, dizem não acreditar no conto do terno perfeito, que dispensa provas para ajustes. Mas se ainda assim o cliente quiser se vestir com uma peça transoceânica, há outras opções além da Scabal. A Prada e a Ermenegildo Zegna, por exemplo, também oferecem esse tipo de serviço no Brasil, inclusive com visita de master tailors duas vezes ao ano, no caso da Zegna.
O empresário Ricardo Almeida, que tem doze lojas próprias pelo Brasil e produtos com seu nome espalhados por uma centena de pontos de venda multi-marcas, também se mostra cético em relação a entregar uma roupa sem provas. “Isso pode funcionar para alguém que tenha um biótipo mais equilibrado, favorável a moldes padronizados. Porem, esse tipo de cliente encontra excelentes opções pret-a-porter, que com um ou outro ajuste vestem muito bem. A realidade do sob medida abrange um grande numero de pessoas que não se enquadram num modelo pronto, pois tem particularidades como ombros mais largos, tórax um pouco maior e pequenas assimetrias que precisam ser corrigidas e a prova evita o erro.” Apesar disso, ele vê positivamente essa concorrência com a qual diz estar acostumado desde que começou seu negócio no início dos anos noventa, e logo teve a Zegna como competidora. Almeida comercializa quase dois mil costumes por mês, sendo vinte por cento sob medida, que tem custo inicial de R$ 4.000,00. Apesar de ter profissionais preparados nas lojas para tomar medidas e sugerir cortes e tecidos, ele ainda recebe semanalmente dezenas de clientes que fazem questão de ser atendidos pessoalmente por ele, que faz moldes individuais, o que eleva o preço final da peça em mais de cinquenta por cento.
Olivier Vander Stock e Johannes Derwahl são bem mais do que gentis alfaiates a domicílio. Eles são embaixadores das ambições globais da Scabal, e costumam visitar frequentemente suas lojas fora de Bruxelas, como Londres e Paris, além de centenas de parceiros franqueados da marca pelo mundo. O modelo colaborativo firmado com Vasconcellos em São Paulo só existe em mais três endereços que estão em Paris, Cidade do México e São Petersburgo. A dupla belga se diz surpresa com a demanda brasileira que superou suas expectativas em mais de cinquenta por cento e Vander Stock faz questão de afirmar que apesar do charme de se ter um master tailor visitante no país, tecnicamente o trabalho de Vasconcellos é tão eficiente quanto. Na verdade o encontro faz parte de uma estratégia para troca de conhecimento, pois em breve ele pretende implantar por aqui uma opção do serviço um dígito acima do MTM, que eles chamam de Scabal número 12, em referencia ao numero de sua loja na Savile Row. A encomenda é feita da mesma forma, porém ao invés de ser produzido na fábrica alemã, o costume é todo confeccionado manualmente no sul da Itália. O custo de uma obra de arte dessas provavelmente fará o cliente sentir que esteve pessoalmente na lendária rua britânica, em voo de primeira classe e com hospedagem no Ritz London Hotel. P.P. Valor Econômico 2014




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